quarta-feira, 12 de abril de 2017

reforma da previdência: a questão das contribuições

em artigo na folha, marcelo medeiros destacou um ponto pouco discutido na reforma da previdência: mais que a idade mínima, o aumento do tempo mínimo de 15 para 25 anos de contribuição deve ter um impacto significativo sobre a capacidade das pessoas mais pobres se aposentarem. como ainda não vi nenhuma análise sobre o assunto, tentei fazer algumas simulações com base na pesquisa nacional por amostragem de domicílios (pnad).

comecemos pela relação entre trabalho, renda e contribuição à previdência. considerando as pessoas que estavam trabalhando em 2015, e fazendo um corte em cinco quintis de renda condicionados na idade da pessoa, temos o seguinte perfil de contribuições:


no gráfico, cada linha representa uma faixa de renda (0-20 sendo os 20% mais pobres naquela idade, 20-40 os 20% seguintes e assim por diante). assim, vemos que para o grupo mais pobre a contribuição para a previdência cresce até os 27 anos para um máximo de 25%, e começa a cair vagarosamente a partir de então. já para todas as outras faixas de renda, aos 20 a ampla maioria já se encontra contribuindo e esse padrão continua pelo menos até os 50 anos.

com esses dados, podemos fazer uma simulação: sabendo as probabilidades de contribuição de cada grupo de acordo com sua idade, quantas pessoas desse grupo chegariam aos 65 anos com os 25 anos de contribuição? fazendo um monte carlo com as probabilidades, chegamos em:


considerando o mínimo de 25 anos de contribuição, o percentual de pessoas em cada grupo que teria condições de se aposentar aos 65 então seria:


ou seja, com exceção dos 20% mais pobres, os demais grupos parecem não ter dificuldade de se aposentar nas novas regras. contudo, existem três pontos não considerados na simulação que podem afetar esse cenário:
  • aposentadoria precoce: as probabilidades de contribuição podem estar superestimadas para as idades mais avançadas, pois as pessoas se aposentam pelas regras atuais em média aos 55 anos;
  • mobilidade: é um pouco fatalista, no mínimo, dizer que a pessoa que estava entre os 20% mais pobres aos 18 anos também estará nesse grupo aos 25, 30, 40... igualmente para os mais ricos, que não necessariamente estarão ao longo de suas vidas inteiras no topo.
  • formalização: assim como a expectativa de vida, uma deficiência dessa simulação é que ela considera os padrões de contribuição e formalização vigentes hoje. ora, se tivermos um aumento da formalização nos próximos anos e décadas, talvez os mais pobres tenham sim condições de se aposentar com os 25 anos de contribuição.
desses pontos, o primeiro não me incomoda muito. a aposentadoria (pedido de benefícios, não saída do mercado de trabalho) precoce é algo muito concentrado nas faixas mais ricas, que de todo em todo já apresentam plenas condições de atender a idade mínima. o segundo tem sua validade, na medida em que implica que as faixas se encontram mais próximas do que parece, porém é difícil pensar em premissas simples e válidas para incorporar na simulação. de todo modo, acredito que o impacto seria pequeno. o terceiro é mais interessante porque podemos olhar para o retrovisor para avaliar: como tivemos um aumento significativo na formalização do trabalho nas últimas décadas, é possível ver que impacto ela teve até o momento. a análise acima foi feita com a pnad de 2015. fazendo a mesma conta para 2001, temos:


é verdade que a formalização ajudou muito: o segundo quintil de renda passou de praticamente inteiro inelegível para o inverso, enquanto o grupo médio de hoje tem perfis de contribuição parecidos com os 20% mais ricos de 2001. contudo, o crescimento foi muito tímido no grupo mais pobre e, seguindo nesse ritmo, ainda levaria muito tempo para ele chegar aos 25 anos de contribuição. isso assumindo que o ritmo de formalização do emprego nos próximos anos seguisse o dos anteriores - algo que, mesmo com reformas trabalhistas em vista, parece pouco provável.

e qual conclusão tiramos disso? no artigo, marcelo se mostra favorável a um critério em que, caso o trabalhador chegasse aos 65 anos com 15 a 24 anos de contribuição, ele estaria elegível para uma aposentadoria no valor de um salário mínimo. se eu não comi bola nas contas acima, essa é uma solução em busca de um problema: as faixas intermediárias não teriam muito uso para o critério dado que conseguem contribuir por ao menos 25 anos, enquanto a faixa mais pobre estaria muito aquém mesmo desse critério - na verdade esse grupo mal conseguiria atender as regras atuais. assim, sobraria para eles a opção do benefício de prestação continuada (bpc). porém aqui tem o triple punch da reforma: (1) a idade mínima aumenta para 70 anos e o valor do beneficio é desatrelado do salário mínimo (2) em nível e (3) em variação. destes, o que mais me preocupa são os 70 anos como mínimo, dada a relação entre renda e expectativa de vida. mas isso é assunto pra um outro post.

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